Terra fértil vira barro na região do SeridóPergunte ao sertanejo o que de mais sagrado existe no campo. A resposta é imediata: a terra. Apesar disso, na região do Seridó, que inclui municípios do Rio Grande do Norte e Paraíba, muitos agricultores desistiram de esperar pelas chuvas e estão vendendo o pouco que resta de solo fértil para as indústrias de cerâmica da região. Resultado: camadas de solo arável são extraídas e usadas como barro nas fábricas. O que sobra da terra tem servido apenas para aumentar a área de mancha desertificada que já cobre 2.341 quilômetros quadrados no Seridó. A essa situação, soma-se um quadro ainda mais grave. Por ano, cerca de 10% da área verde do estado potiguar vêm sendo desmatados para virar lenha e alimentar os fornos do pólo ceramista da região.
Se parece difícil entender o porquê de tanta degradação, o agricultor José Marcelino dos Santos, 57 anos, explica os motivos sem muita cerimônia. A questão é de ordem maior: é preciso sobreviver. "Quase não existe mais terra boa para plantar. E quando tem, o que falta é a chuva. O jeito é ganhar algum dinheiro com o pessoal das cerâmicas", afirma. Há dois anos, José Marcelino vendeu cerca de dois hectares de solo fértil de sua propriedade na zona rural de São José do Seridó (RN) para serem usados como barro. Comprou uma casa na cidade e umas cabeças de gado. "Não me arrependo porque precisava do dinheiro, mas sei que agora a terra que ficou é imprestável para o plantio. Fazer o quê?", resigna-se.
Nem os órgãos que deveriam estar atentos à questão da desertificação estão fazendo a sua parte. Pelo contrário. Em declaração prestada ao Jornal Tribuna do Norte, o chefe do escritório do Ibama no município de Caicó, Mário Gomes, chegou a negar a ocorrência do fenômeno na região. "Eu não acredito nisso. Desafio a me mostrarem áreas de deserto aqui no Seridó", afirmou Gomes. Em Jardim do Seridó, cidade vizinha a Caicó, o chefe da instituição, Ubirajara Viegas, não chega a tanto. Ele reconhece que muitos hectares de mata nativa estão sendo devastados para produção de lenha, mas coloca a culpa na falta de estrutura para trabalhar. "Temos poucos fiscais, não há dinheiro para o pagamento das diárias e o único carro que existe para a fiscalização passa meses quebrado", justifica Viegas.
A ineficiência do Ibama na região é criticada até pelo representante da instituição no Grupo de Estudos de Desertificação no Seridó (Geds), o geógrafo Alvamar Queiroz. Licenciado do órgão para coordenar o grupo, ele afirma que a fiscalização é tão precária que não há mais estímulo em denunciar os desmatamentos. "O Ibama sabe que essa é uma das maiores causas da desertificação no Seridó, mas não toma nenhuma providência", reclama.
O desmatamento é o principal, mas não o único fator responsável pela ocorrência do fenômeno na região. Com o fim do ciclo do algodão, as terras viraram áreas de pastagem e foram ocupadas por grandes rebanhos. O problema é que os produtores costumam colocar um número de cabeças de gado maior do que o ecossistema pode agüentar, o que, tecnicamente, é chamado de sobrepastoreio. "Os animais pisoteiam o solo, matando a vegetação rasteira e dificultando a infiltração da água na época das chuvas", explica Alvamar Queiroz.
Em São Vicente do Seridó (RN), a zona rural se transformou num imenso areal que não pára de crescer. Somente a palma (vegetação parecida com o mandacaru) consegue resistir à degradação acentuada do solo. Por causa do empobrecimento da terra, a produção no Seridó vem caindo uma média de 14% ao ano. No movimento inverso, aumentam os índices de desemprego. "Não existe mais o que fazer na região. Quem vivia de roçado está parado porque não tem onde plantar. Muitos já foram embora, desenganados com tanta miséria", relata o agricultor Luiz Cesário de Macedo.
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