sexta-feira, 15 de abril de 2011

Quantas creches estão faltando construir?

No dia de hoje a imprensa deu destaque para um relatório denominado “Um Brasil para as crianças e os adolescentes", feito pela Fundação Abrinq e pela ONG Save the Children. E destacaram a informação de que faltam serem construídas 12.000 creches no Brasil.

A oferta insuficiente de vagas para atender as crianças de zero a três anos é um dos principais problemas que o novo plano nacional de educação deve enfrentar.

A matéria da jornalista Ana Okada (UOL) divulga um dado demonstrativo de que, além de insuficiente, as vagas são concentradas regionalmente. Dentre os matriculados, 47% são da região Sudeste. Em seguida, vem Nordeste, com 24%; Sul, com 18%; Centro-Oeste, com 7%; e Norte, com 4%.

O projeto do próximo PNE (Plano Nacional da Educação) 2011-2020 estabelece que, até 2020, 50% dessas crianças estejam matriculadas. Em 2009 o percentual era de apenas 18,1%. No plano anterior, porém, já era previsto que 30% da população de até 3 anos fosse atendida.

Ainda citando o relatório, a jornalista escreveu que atualmente apenas 1,2 milhões de crianças freqüentam creches e que existem 11 milhões de indivíduos nessa faixa etária.

Uma das principais bandeiras de campanha da presidente Dilma Rousseff, o Proinfância, programa do governo federal para construção de creches e pré-escolas, não conseguiu cumprir a meta de convênios para 2010. Das 800 unidades previstas, apenas 628 foram autorizadas.

Em 2011, o objetivo é assinar mais que o dobro disso: 1,5 mil convênios, totalizando 6 mil até o final do mandato de Dilma.

Tive dificuldade para entender o raciocínio do Relatório. Explico melhor:

1. Se existem 11 milhões de crianças na faixa etária e somente 1,2 milhão matriculados, significa que temos uma demanda máxima de 9,8 milhões.

2. Podemos também calcular o quanto falta para cumprir a meta proposta. Neste caso faltariam 4,3 milhões.

3. Bem se considerarmos unidades de educação infantil com 200 crianças, por exemplo, teríamos que construir 49.000 unidades para incluir todas as crianças ou 21.500 para cumprir a meta.

Espero que o governo federal cumpra o cronograma de construir 6000 unidades em quatro anos, mas advirto que estes prédios são planejados para toda a educação infantil, incluindo a pré-escola. E, salvo engano, são planejados para atender 240 crianças, nem todas de zero a três anos.

Os números não fecham, mas isso não é o mais importante. O Relatório deixa claro que existe uma demanda reprimida e que o esforço para enfrentá-la deve ser de todos os entes federados.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

MEC abriu as portas do inferno


Na semana passada todos os senadores (e acho que também os deputados federais) receberam em seus gabinetes um documento da Federação Nacional das Escolas Particulares apresentando uma análise do Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação na visão do setor privado do país.

A FENEP congrega os sindicatos de estabelecimentos particulares do Amazonas, Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará, Paraíba e Mato Grosso do Sul. Certamente seu posicionamento é representativo de um segmento importante do setor privado da educação brasileira.

Na primeira parte do texto a FENEP tece críticas a Conferência Nacional de Educação. A entidade afirma que é conhecido “o viés ideológico presente na CONAE”, que “desconsiderou a importante participação da Educação Privada na construção do capital educacional, cultural e social brasileiro”. Acusa a CONAE de ter induzido em sua resolução uma visão velada de estatização do ensino.

Na segunda parte do documento são apresentadas propostas de emendas ao PL. Não são muitas as emendas, mas todas são direcionadas aos mesmos objetivos:

1º. Retirar qualquer referência a gratuidade do ensino nas diversas metas de expansão;

2º. Fomentar o desenvolvimento de tecnologias educacionais, mas sem controle de qualidade ou certificação por parte do poder público;

3º. Estabelecer oferta de matrículas em parceria com o setor privado em várias etapas e modalidades, nos moldes do PROUNI; e

4º. Suprimir qualquer referência a regulação do setor privado.

Apresento alguns exemplos de suas emendas:

1. Retiram a expressão “gratuita” da já problemática estratégia 1.4, que trata do estímulo ao crescimento das matrículas de creche via convênios com entidades beneficentes. Com isso tornam a redação ainda mais perigosa.

2. Na estratégia 3.5 alteram a redação que passa a ser: “Fomentar a expansão da oferta de matrículas de educação profissional técnica de nível médio em parceria com entidades privadas de formação profissional, de forma concomitante ao ensino médio público”. Retiraram a expressão “gratuitas” e a restrição a entidades “vinculadas a sistema sindical”. Com essas mudanças a estratégia torna-se ainda mais privatista, dando primazia à expansão via “parceria” com o setor privado.

3. A problemática estratégia 11.6 ficaria ainda pior, passando a ter a seguinte redação: “Expandir a oferta de financiamento estudantil à educação profissional técnica de nível médio em parceria com instituições privadas de nível superior e/ou empresas”. Ampliam o universo de entidades privadas que poderiam se habilitar a abocanhar esta fatia do mercado que foi oferecida pelo texto enviado pelo Executivo.

4. No caso da estratégia 15.5, que trata da política nacional de formação dos professores, a FENEP apresenta uma redação que garante financiamento público para a formação de professores de escolas privadas. A redação seria a seguinte: “Institucionalizar, no prazo de um ano da vigência do PNE, política nacional de formação e valorização dos profissionais de educação, de forma a ampliar as possibilidades de formação em nível superior (graduação, pós-graduação e mestrado) prevendo formas de financiamento público aos estudos”. Ou seja, a entidade pretende que os impostos pagos pelos cidadãos financiem a formação de seus funcionários, tudo isso em nome da igualdade de oportunidades.

5. Em relação à Meta 20 (Financiamento) a Federação apresenta duas propostas singelas. A primeira, a de “prever o PROBASICO, em moldes semelhantes ao PROUNI, como forma de financiamento da educação básica, em regime de colaboração com as entidades privadas”. A segunda, a de “prever, no IRPF, a dedução integral dos gastos com educação, inclusive livros didáticos e demais materiais escolares”. O governo federal quer ampliar a oferta de vagas no ensino profissionalizante por meio de isenção fiscal aos setores privados, mas a FENEP quer um programa para toda a educação básica.

Em resumo, as propostas privatistas inseridas no PL pelo MEC abriram as portas do inferno. Presenciando uma postura mais aberta a ampliação de seus interesses, as entidades do setor privado começam a demonstrar que irão trabalhar no Congresso por mais mercados educacionais.

Assim, mesmo que no discurso o governo federal se apresente como guardião da educação pública, suas proposições ofereceram o ambiente propício para novos ataques ao direito a educação pública em nosso país.

Uma informação adicional. O documento também é composto de uma última parte onde a entidade oferece uma breve discussão conceitual sobre a relação entre público e privado. No texto é dito que os autores do Projeto de Lei, de forma maldosa, confundem os conceitos de público e privado, como forma de reforçar a visão estatizante.

O texto recupera a produção teórica presente da Reforma do Estado de 1995 e defendem a reconstrução do Estado, que “segundo Fernando Henrique, visa à eficácia da ação pública, respeitadas as limitações do mercado, sem minimizar nem destruir as ações do Estado e do governo, e ainda, atendendo os anseios de solidariedade”.

Para a FENEP o documento da CONAE possui um viés conceitual baseado em Gramsci, revelando claras “intenções político-partidárias de dominação”.

Por fim, defendem como modelo para o Brasil as virtuosas experiências internacionais da Inglaterra, Portugal e Chile, que “comprovaram a eficácia da atuação da iniciativa privada nas políticas públicas, com vantagens econômicas para ambas, como também, práticas, em que o particular contratado detém condições de prestar o serviço público com maior qualidade”.

Este breve resumo do documento da FENEP é uma forma que tenho de lançar um alerta a todos os educadores brasileiros: mais uma vez a batalha no PNE será entre público versus privado.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Quem deve fiscalizar o dinheiro do Fundeb?

Na edição de segunda-feira (11 de abril) o Jornal O Globo publicou extensa matéria relatando inúmeras fraudes identificadas pela Controladoria Geral da União na aplicação de recursos da educação.

Os crimes cometidos não são novos e infelizmente se repetem a cada relatório da CGU.
O que me chamou a atenção do texto não foi exatamente a persistência desta hedionda prática em nosso país, mas o fato da reportagem identificar uma espécie de jogo de empurra no que diz respeito a fiscalização dos recursos do Fundeb.

O jornal relata uma disputa de bastidores sobre quem deve, em nível federal, fiscalizar a execução dos recursos do Fundeb nos nove fundos estaduais que recebem complementação da União. E os órgãos de controle admitem uma lacuna na legislação, pois a mesma não determina que órgão federal deva realizar tal procedimento.

Numa ponta encontramos os conselhos municipais de acompanhamento, fracos e sob forte pressão política local. Apesar do seu poder ter crescido na transição do Fundef para o Fundeb, a eficácia de seu trabalho continuou pequena, servindo na melhor das hipóteses como veículo de denúncia, quando muito.

Na outra ponta encontramos o FNDE, que por falta de clara previsão legal, afirma não ser sua atribuição fiscalizar este tipo de recurso, agindo somente sobre os demais repasses (merenda escolar, transporte escolar, livro didático, dinheiro direto na escola e outros convênios).

No meio temos o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União.
É preciso resolver esta controvérsia. O formato do Fundeb é de redistribuição de recursos pertencentes aos estados e municípios. Esta é a regra. Sendo assim, cabe aos tribunais de contas de cada estado (ou dos municípios onde existem) a tarefa de fiscalizar. Em última instância cabe a cada Câmara Municipal e Assembléia Legislativa, auxiliadas pelos respectivos tribunais o dever de zelar pela boa aplicação dos recursos públicos.

Acontece que em nove estados existe parcela dos recursos recebidos que é de origem federal, cabendo então a fiscalização desta instância, não interessando se é representativa ou não esta parcela. Ou seja, sendo um centavo do total de recursos usados para pagar pessoal cabe ao governo federal fiscalizar se o mesmo foi bem aplicado.

Falta poder para a sociedade controlar diretamente o uso dos seus recursos.

Falta atuação consistente dos órgãos de controle.

Falta por fim a este jogo de empurra no plano federal.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Cem mil acessos

Queria registrar o meu enorme agradecimento por todos que acessaram este blog desde a sua criação.
Ontem o número de acessos passou de 100.000.
É o reconhecimento de que este espaço tem sido útil na informação e na formação dos educadores brasileiros.
Obrigado!

Um debate instigante

Na tarde do último sábado tive a oportunidade de participar de um instigante debate sobre o novo plano nacional de educação.

Promovido pelo mandato do deputado federal Ivan Valente (PSOL/SP), o debate reuniu mais de 200 educadores e participei como debatedor junto com a professora Lisete Arelaro, diretora da Faculdade de Educação da USP e com o professor Luis Carlos Freitas (Unicamp).

Da intervenção do professor Luis Carlos Freitas destaco a lembrança de que existe pairando sobre o debate do novo plano uma estratégia liberal muito azeitada. Esta estratégia liberal se baseia no seguinte tripé:

1. Responsabilização punitiva e autoritária. Em nome de punir gestores por mal uso dos recursos públicos (o que todos concordam) abriu-se a possibilidade de introdução de punição acadêmica. Este formato foi experimentado nos EUA e foi um verdadeiro fracasso;

2. Meritocracia. A proposta é destruir a carreira docente, instituindo salários com parte variável a ser paga a depender do desempenho dos alunos, além da possibilidade de demissão dos docentes; e

3. Privatização do ensino.

O professor refletiu ainda sobre a pressão das grandes corporações para que a avaliação educacional se resuma em testes de aprendizagem e solicitou especial atenção ao quanto é pernicioso o conceito de público não-estatal que vem se disseminando no país.

E propôs que ocorra uma radicalização da mobilização. Em primeiro lugar para impedir a lógica de negócios na educação. Em segundo, para garantir a educação como um bem público estatal. E por último, que os recursos públicos sejam direcionados exclusivamente para a escola pública.

A professora Lisete iniciou sua exposição revelando que mesmo na mais conceituada universidade do país o debate sobre o plano nacional ainda não se tornou algo importante. Fez uma saudação muito especial a rearticulação do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, fato que considera essencial para que a voz da sociedade civil seja ouvida.

Ela discorreu sobre contradições evidentes que estão presentes na mensagem ministerial que encaminha o Projeto de Lei do PNE ao Congresso Nacional. No texto o ministro Haddad afirma que o texto seria uma expressão da vontade dos educadores expressa na CONAE. Lisete lembrou que participou da conferência, que aquele espaço foi legitimado pela participação da sociedade e que infelizmente o que o texto fala não confere com a realidade.

Recordou que o mesmo texto afirma que o projeto de lei representa também a materialização do regime de colaboração, mas que também isso não é verdadeiro, pois o mesmo expressa mais a vontade do MEC de legalizar os seus programas de governo do que estabelecer as bases de um sistema nacional de educação.

E apresentou alguns pontos que precisam de alteração no PL governamental. Destacou a necessidade de combater a visão de formação à distância dos professores, proposta que contraria explicitamente a decisão da CONAE. Afirmou que a proposta de prova para diretores de escola é uma invenção descabida e que está totalmente ausente qualquer regulação sobre a iniciativa privada, citando explicitamente a meta que trata de número de doutores no ensino superior.

E exortou os educadores presentes a realizarem grande mobilização pela educação pública de qualidade.

A minha participação pretendeu apresentar quatro elementos que julguei importantes no atual estágio do debate sobre o PNE.

Em primeiro lugar, apresentei um brevíssimo balanço do plano anterior, descrevendo alguns indicadores preocupantes, especialmente a pouca cobertura do atendimento em creche e as desigualdades sociais, raciais e regionais que estão presentes na educação brasileira. Destaquei também que fazer um balanço dos dez anos anteriores tornou-se um ponto de discórdia do movimento social, pois um balanço negativo é também uma avaliação indireta do setor educacional nos oito anos de governo Lula.
Em segundo lugar, descrevi alguns aspectos problemáticos do novo plano que tramita na Câmara dos Deputados, destacando a sua fraqueza na área do financiamento educacional e a presença de pelo menos duas estratégias claramente liberais e privatizantes (atendimento comunitário em creche e o Pronatec).

Em terceiro lugar, destaquei a importância de que o movimento social tenha claro quem são os seus adversários e seus aliados nesta batalha. Alertei para o maior fracionamento dos movimentos sociais nos dias de hoje, mas que o ideal é procurar pontos que unam mais setores sociais nos embates contra os liberais, conservadores, privatistas e contra a postura do próprio governo Dilma. Citei em especial que o documento da CONAE deve ser um elemento de aproximação das entidades e que as emendas apresentadas pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação expressam este nível de acordo.

E por último, destaquei a centralidade de três temas no debate. A necessidade de priorizar a elevação dos gastos públicos em educação para 10% do Produto Interno Bruto, a importância de utilizar o custo aluno-qualidade como parâmetro para a construção das metas no novo plano e o peso que a valorização do magistério terá no novo plano.

O debate durou quatro horas e foi muito participativo, mostrando que há um desejo bastante claro na sociedade educacional de se engajar na luta por um plano nacional de educação que seja pra valer.

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