segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Censo e a nova classe média

Por João Paulo da Silva

Foi só depois que o IBGE divulgou os resultados finais do novo Censo que eu consegui descobrir quem é a nova classe média da qual o governo tanto fala. Estou abismado. Como não pude vê-la?! Como não pude encontrá-la, esbarrar com ela por aí?! Dizer um “Olá! Olha, parabéns, viu?! Isso é que é ascensão social, hein!”. Estava tão próxima a mim, e eu não consegui distingui-la. Santa Desatenção! Ela estava praticamente embaixo do meu nariz. Aliás, para minha completa e absoluta surpresa, eu também faço parte dessa nova classe média! Meu Deus, preciso urgentemente visitar o oftalmologista e trocar esses óculos. Francamente. Vai vendo aí.

Pobreza? Que pobreza?

Nos últimos 10 anos, a pobreza caiu 50,64%. Isso porque, no Brasil, o pobre é o sujeito que possui uma renda mensal menor que R$ 151, segundo as pesquisas. Já na extrema pobreza encontra-se o sujeito que possui renda mensal de até R$ 70. Em geral é menos, não se chega nem a isso, mas até setenta você é extremamente pobre. Quer dizer, bastou ganhar R$ 1 a mais e já saiu da pobreza ou da extrema pobreza. Entretanto, eu entendo a intenção do governo e dos institutos de pesquisa ao apresentarem os cálculos com base nesse critério. É para levantar o moral dos brasileiros. Convenhamos, ser pobre é deprimente e não ajuda a viver bem. Por isso, o melhor é acreditar que fazemos parte de uma nova classe média. Ou, como diria Millôr Fernandes, “classe mérdia”.

Sendo assim, é só através do critério dessa nova classe média que é possível compreender um diálogo entre dois desempregados numa esquina qualquer do país.

- Rapaz, esse mês, se Deus quiser, eu entro pra essa tal de nova classe média.
- É mesmo?
- Com certeza. Andei fazendo minhas contas. Tudo indica que com mais alguns bicos que já acertei pra fazer essa semana vou apurar uns R$ 160 esse mês.
- Mas olha só! Que coisa boa, hein! Parabéns, meu amigo.
- Pois é, rapaz. Vai dar até pra pagar um Chicabom pra patroa lá em casa.

O mistério do banheiro em casa

No país do futuro, o banheiro ainda é um mistério para os brasileiros alojados em 3,5 milhões de casas. Isso significa que nem na Idade Média essas pessoas se encontram, uma vez que neste período da história havia ao menos um lugarzinho com buracos no chão para lá deixarmos as “necessidades”. Inclusive, penso eu, que essa parte da população sem banheiro também deve estar enquadrada na nova classe média. Bom, na mérdia eles já vivem e acho que até o penico é um mistério.

Fico imaginando os moradores destas mais de três milhões de residências (estou sendo generoso) passeando pelas orlas de algumas de nossas cidades. Quando menos se espera, pimba! Dão de cara com um desses banheiros químicos. Emocionados, entram e saem diversas vezes do pequeno recinto. Não acreditam nos próprios olhos. Nem mesmo o Sílvio Santos e sua Porta da Esperança seriam capazes de proporcionar aquele momento. Ainda que a necessidade fisiológica não venha, passam horas sentados no vaso. A Maria, esposa do Zé, até pergunta ao marido:

- Será que deixam a gente levar um desses pra casa, meu filho? A cor combina direitinho com os tamboretes da sala.

O Censo é ainda mais terrível quando revela que 55,5%, das pessoas vivem sem saneamento básico. Ou seja, quase metade da população nunca viu água tratada, coleta de lixo e rede de esgoto. Mas o governo também deve ter uma justificativa para isso. Afinal de contas, para quê serve saneamento básico quando não se tem nem mesmo banheiro?

Incentivando jantares à luz de vela

O Censo também revelou uma preocupação dos governos em fazer com que a nova classe média seja mais romântica. Não é à toa que mais de 700 mil famílias não possuem energia elétrica em casa. Isso só pode ter uma explicação. Tanto o FHC quanto o Lula, e agora a dona Dilma, incentivam os jantares à luz de velas. Compulsoriamente, é claro. Mas não se pode negar que os governos querem salvar casamentos, ver os casais mais felizes, impulsionar o romantismo e fazer do Brasil o país do amor.

- Querida, você não vai acreditar no que eu preparei pra você.
- O que foi, Josimar?
- Vem por aqui que eu te mostro. Cuidado aí que tá escuro. Tcharam! Olha só o que fiz pra você.
- O que é isso, Josimar?
- Ué, um jantar à luz de velas. Não tá vendo as velas?
- As velas eu tô vendo. Não tô vendo é o jantar!
- Bom, a gente não tem energia e o dinheiro só deu pra comprar as velas. Mas já é um começo, não acha?

Joãozinho, o pai de família

Depois de um dia inteiro de trabalho, guardando carros e limpando pára-brisas nos semáforos, Joãozinho, um guri de nove anos, chega em casa exausto.

- Mãe, cheguei! Cadê o rango?
- Oi meu filho. Já tá saindo. Como foi no serviço?
- Foi duro, mãe. A vida tá ficando cada vez mais difícil. Hoje o dia foi brabo. Peguei um monte de cliente unha de fome. Quase não apurei o suficiente para o almoço. Coisa séria essa inflação, hein! Se continuar assim, o que eu ganho não vai dar nem pro café. Imagine pagar luz, água, aluguel e alimentação.
- Mas meu filho, eu também posso arrumar um emprego...
- Nem pensar! A obrigação de sustentar a casa é minha. O pai de família aqui sou eu.

Da mesma forma que o Joãozinho, mais de 130 mil crianças brasileiras são responsáveis por chefiar famílias. Elas, provavelmente, também fazem parte da nova classe média do governo. Como se pode ver, a ascensão social no Brasil é realmente coisa de país do futuro. Futuro sombrio, verdade seja dita. Nos últimos vinte anos, a classe que reúne pobres e miseráveis não deixou de existir. Apenas mudou de nome.

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